19 dezembro 2009

Efeitos do Vinho

Tua imensidão pequena, tuas palavras doces, estragadas, jamais me convenceram. Teu paraíso de medo afogado, de flores fétidas, de pássaros mortos, nunca me pareceu convidativo. Conheço tua verdade como inocente nenhum conhece. Não admitiria ser ao menos parecida contigo, mas algo temos em comum: um coração frio. Ao descer as escadas do castelo sombrio ao teu lado, notei os arranhões nos teus braços, ouvi tuas mentiras e tudo o que a notoriedade esconde. Desci com um monstro, mas tu desceste comigo, eu nunca me esconderia por trás de vestes de cetim como tu fazes, porém te vi despido. Os feixes de luz dourados entravam pelas brechas das cortinas vermelhas pesadas, iluminando os cálices vazios. Ouvi teu choro, teus gritos desesperados, segurei tuas mãos para que não te machucasses mais, te vi exausto da guerra com metralhadoras de mágoas, senti o pulsar lento de teu coração e de repente senti teus lábios, e como num passe de mágica tu sorristes. Não pude fazer nada, além de também sorrir e encontrar teus lábios mais inúmeras vezes naquele fim de tarde. Descobri tua beleza, após a monstruosidade de tua verdade. E foi justo, foi justo já que todos conhecem minhas verdades impuras. E naquele dia conheci algo que não chamaria de amor e sim de ódio terno. Odeio-te. Odeio-te, meu amor. Tu entendeste todas as minhas contradições, todo o murmúrio ofegante, a dama que a pecaminosidade escondia. A fervura do ódio ao anoitecer evaporou nossos erros e revelou nossa alteza. Saímos do castelo e corremos pelo vilarejo deserto, já de madrugada. Roubamos vinho da varanda de um senhor caquético, como em todas as noites que eu fugia de casa, colocamos as roupas de um varal qualquer e pulamos no riacho que dividia a área nobre da plebéia. Decidimos participar da noite de festas dos plebeus, onde dançamos incessantemente. Tomamos o caminho de volta ao castelo, de mãos dadas. Adormecemos no sofá da sala, aconchegados um nos braços do outro. Quando acordei, te vi novamente com teus pulsos cortados, tua feiúra desmedida, tua aparência precária e pensei no lindo príncipe que havia se tornado naquela noite pelo efeito do vinho. Vesti-me, peguei uma maçã da mesa gloriosa da sala, arrumei os cabelos em função da aparência íntegra que costumo ter, e quando estava a curtos passos da porta, ouvi teu sussurrar:


- Brigitte!

E com um olhar recíproco, decidimos manter o encontro secreto. Se eu quiser redescobrir o príncipe, terei de redescobrir outras doses de vinho, pensei. Batendo os saltos e arrastando meu vestido, saí do castelo, fechando a porta com cuidado e ajeitando novamente meus cabelos. Na brisa gélida da manhã, senti o asco de um corpo imundo. Apressei-me para chegar ao meu castelo e não acordar meu pai, o Rei. Tomei um banho e adormeci em meus lençóis limpos. Suja.


14 dezembro 2009

Quando falo de dor

No mesmo tom que se fala de um falecido, falo desse ano. Arrepios de dor tomam conta de mim ao anoitecer, quando a noite deixa claro onde está a ferida. Meus olhos agitados na cama, pulo a janela e sento para ver a cidade, a névoa me abraça e o calor do meu coração declara aos gritos o arrependimento. Onde está a vida? Tudo tem sido tão injusto. A certeza das minhas escolhas tornam-se grandes erros. E eu que me achava tão madura. Início do ano: euforia, meio do ano: esporro, final do ano: dor. Ao meu ver este ano foi perdido, é como se ele se subtraísse da minha vida, submergisse. É tão típico falar de dor e cicatrizes, mas eu falo de uma dor tão verdadeira, corrosiva, fatal. Desde a hora em que acordo ela me tortura, é como se meu coração estivesse sendo pressionado, literalmente. À noite ela se acentua, e como eu disse, a escuridão deixa claro onde está a ferida. 
 E eu vou sonhando... sonhando em ser curada, sonhando em ser o suficiente, em superar as espectativas, sonhando em ver o sol nascer, em encontrar alguém, em encontrar até mesmo um amor. Eu sonho, porque são meus sonhos que não me deixam cair.

 Vista da minha janela

08 dezembro 2009

Agora

Há uma grande estória, um grande conto que preenche meu vazio. A militância indisciplinada expôs suas armas e agora estou criando a coragem de manusear a artilharia, o poderio bélico que sempre molestou meu pensamento. Deixo a ironia de lado e pego a displicência e a refutação afoita, armas mais pesadas. Apesar de causar leves discórdias, um tanto quanto provocantes, essa petulância toda é bem gratificante, pacifica e aquieta minh'alma. É uma euforia rebelde, talvez adolescente. Ela fica frenética, de tocaia, pronta para atacar na primeira deixa. Parece que essa arrogância toda foi emanada do veneno que se conteve em mim por muitos anos e que começa a se exibir, ainda contida pelo meu caráter regrado. Talvez eu esteja me tornando uma pessoa amargurada, quem sabe? É dorida a sensação de se olhar no espelho, procurar defeitos, e não achar nada tão relevante a ponto de explicar o motivo de todo esse fracasso social.  Vejo os sorrisos flamejantes que um dia presenciei, mas tenho certeza que nunca foram direcionados a mim. Ouço as risadas, vejo os amores e sempre me pergunto porquê não acerto a hora e o lugar.

Quando falo de solidão

Quando falo de solidão, não falo apenas do clichê de estar sentindo falta de alguém em meio a muitas pessoas. Falo de não estar junto a algumas pessoas e saber que não faria diferença alguma se você estivesse com elas. Falo de não saber mais o que é receber uma ligação, um convite para ir ao cinema, um abraço por um olhar vazio, um beijo quando chego, uma intimidade que só amigos podem ter, é não saber o que é uma amizade de verdade, daquelas que você não tem que medir suas palavras, em que não sente a necessidade de se esconder de sua própria verdade, em que você não tem medo de amar mais do que ser amado, de fazer as coisas simples parecerem ser as mais maravilhosas coisas do mundo. É estar em casa, olhando para a janela que revela o cinza do dia azul e saber que não há ninguém pensando em você abandonado aos prantos e ao desespero. É fazer poesias sobre o que não existe, é sonhar sozinho, é deixar de dizer o que arranha em sua garganta, é guardar os segredos sem a tentação de ter para quem os revelar, é andar sozinho, é não receber visitas, é não rir, é não ir, é olhar para todos os lados, de todas as formas e não ver ninguém. É morrer aos poucos, à cada sorriso que não é pra você, à cada palavra que não me atrevo a dizer. É o desespero de não ouvir ninguém. A dor está me tornando cada vez mais forte, cada vez mais velha. Essa é a verdadeira solidão, me sinto só.
E essa é a verdade.