03 julho 2016

 Você ainda habita aqui, silenciosamente. Parece praga, está em lugares demais, em pessoas demais. Eu não lembro dos momentos em si, você apenas está lá, em lugares que eu não gostaria que estivesse. Você está nas pessoas que vejo na rua, aonde por alguns segundos tornam-se vultos seus e logo você desaparece. Isso acontece com uma frequência que já faz parte do meu cotidiano, já sei que você vai aparecer por alguns instantes ao longo do dia em algum rosto, em algum jeito de andar parecido com o seu. Não é saudade, não é amor, não é rancor. Não é nada, é a sombra do nada em que nos tornamos e de tudo que já fomos. É irracional e incontrolável. Você está nas bandas que escutávamos, como esta que estou ouvindo agora. Sua presença foi tão profunda, que você se impregnou em ritmos, em cheiros, num jeito de respirar que você tinha quando eu te abraçava. O problema é que você esteve lá enquanto eu deveria estar resolvendo as coisas sozinha. Você era minha saída, você despertou em mim os sentimentos que eu sei que não sentirei por mais ninguém, pois afinal, quem se apaixona pela primeira vez mais de uma vez na vida?
 Você esteve lá enquanto eu crescia, enquanto eu me tornava mulher. Você esteve lá no primeiro beijo, no primeiro toque, no primeiro amor. Você esteve lá em tantas lágrimas que eu derramava sobre seus ombros, em tantas lições de história que você me ensinou. Você está aqui, quando lembro desas lições. Nós nos moldamos juntos, você sabe disso. Aprendemos a viver e a gostar das coisas juntos.  Nos ensinávamos como ser gente ao mesmo tempo. Éramos tudo um para o outro. Por isto sua sombra ficou aqui.
 Por isto ainda penso aonde você estaria agora, num sábado à noite. Penso se está feliz com seu novo amor, se vocês têm discussões parecidas com as que tínhamos por conta desse seu gênio difícil.  Penso em quem se tornou, se realizou teus sonhos, se amadureceu. Se têm aprendido tanto com a vida quanto eu. Se têm sofrido, se tem sorrido ou se ainda preserva qualquer jeito teu daqueles que eu conheci na nossa infância. Eu penso também em tudo o que sem você e nem eu querer, eu acabei aprendendo. Em todos os meus erros, em como ser gente. Aprendi também que sentimento não basta. Sentimento não esconde mentiras, não transforma as loucuras de outrem em algo suportável. Sentimento às vezes parece existir para nos ver torturados. Eu penso em como de uma forma um pouco ácida eu sou grata à você e a nós dois por ser quem eu sou hoje. 
 O teu vulto que vejo em meio a qualquer dia, atribulado ou não, só mostra o quando eu reconheço um pouco de você em mim. Mostra como em mim há uma vontade velada de que você veja que tua menina cresceu, que chegou muito mais longe do que sequer ela poderia imaginar.
 É engraçado, como em tantos espectros você se infiltra. Eu tentei negar e ainda tento. Mas você faz parte da minha história e eu da tua. A gente sabe que carrega um pouco do outro aonde quer que vá. 

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